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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O magnífico "Baaría - A Porta do Vento" é o "Amarcord" de Giuseppe Tornatore

"Baaría" de Giuseppe Tornatore é um trabalho monumental, em termos de produção e escopo narrativo, porque aborda a história de um camponês da Sicilia, desde o início do regime fascista até os anos 1970. A trajetória do protagonista Peppino Torrenuova (Francesco Scianna), provavelmente inspirado em seu próprio pai, serve de fio condutor para uma série de episódios em que o autor de "Cinema Paradiso" (1988) revela a sua visão acerca daquele período e de sua cidade natal: a siciliana Bagheria. Um pouco como Felini em em "Amarcord", o cineasta deixa que a memória seja contaminada pela fantasia e pelo impulso poético. O personagem central é um camponês "de dentes fortes e cérebro nem tanto". Especialmente belo e saudável, ele desenvolve força de vontade e firmeza ideológica, mas não demonstra queda para os estudos e permanece um semi-analfabeto. Faz uma carreira impecável dentro do Partido Comunista, sem qualquer revisionismo nem tramóia e também (ou por isso mesmo) sem nenhuma vitória eleitoral. Com uma única esposa (Maragareth Made), criou 5 filhos, sendo um deles tão apaixonado por cinema que colecionava fotogramas, como se fossem figurinhas.

O roteiro consiste numa gigantesca elipse em que o protagonista, ainda menino, fica de castigo na sala de aula e pega no sono para despertar mais de meio século depois. Caminha atônito pela Bagheria moderna e se pergunta se estava no passado sonhando com o presente, ou vice-versa. Mais que salientar o descompasso entre as épocas, essa operação de montagem nos diz que, mesmo com a inexorável passagem das décadas, o personagem se mantinha ingênuo e cristalino do mesmo jeito que era quando criança. A cena do vendedor de linguiça oferecendo a sua mercadoria enquanto caminhava atrás do líder fascista local é igualmente memorável. A dois passos do "camisa negra" que marcha pela rua principal sob os olhares de todos, o comerciante ergue o produto, gritando: "é puro porco!" Assim, faz marketing para os partidários de Mussolini, ao mesmo tempo que os ridiculariza, para os adversários. Seguindo a antiga lição de Sergei Eisenstein, por meio da justaposição de representações diversas Tornatore cria imagens de alta densidade simbólica e carga emotiva. Vejamos, por exemplo, como ele nos diz que o povo siciliano é marcado pela obrigação e pela capacidade de esperar. Numa sequência o pai do protagonista permanece vivo, mesmo contra a expectativa dos médicos, enquanto o filho não chega para se despedir dele. E mais adiante, enquanto ocorre uma passeata de protesto no centro da cidade, a câmara mostra duas mulheres em frente às suas casas. Uma ao lado da outra, esperam tensas e em silêncio por seus maridos: um é da polícia e ou outro é militante comunista. Um deles, ou dos dois voltarão machucados, ou nem voltarão. A majestosa música sinfônica de Ennio Moricone se articula organicamente às dimensões épicas do filme, em que os planos mais abertos correspondem aos acordes mais intensos e conclusivos das sequencias. De resto, a própria musicalidade da fala siciliana se encarrega de colorir de ritmos e melodias a trilha sonora. Como ilustração, note-se o pregão do comprador de dólares, pontuando a narrativa com seu grito, nos momentos mais inadequados. E a cena em que o orador comunista vai declamando o seu discurso ensaiado e, cada parada permitida pelas palmas, pede "água!" Feita com o rosto sempre voltado para o microfone, essa solicitação é também amplificada para o público. De modo que, quando ele repete o pedido pela terceira vez, é a platéia em coro que grita "água!" Pode parecer apenas uma piadinha que empregou milhares de figurantes para ser mostrada, mas a gag exprime com perfeição e ênfase o senso crítico a sensibilidade de todo um povo.
Numa entrevista coletiva, quando Tornatore veio ao Brasil para divulgar o filme, fiz uma pergunta, tentando decifrar um símbolo visual que aparece na última cena: um menino tem o seu pião quebrado ao meio numa disputa, mas, de seu interior surge uma alegre surpresa. Felizmente para minha auto-estima, ele respondeu favoravelmente à minha análise: "A sua interpretação está correta”, disse ele. “O filme de fato se concentra numa história de paixão e entrega à vida que parece ser a de um perdedor. Apenas parece, porque o protagonista é na realidade alguém que fracassa no aspecto público de sua trajetória, mas triunfa plenamente em termos pessoais. Você leu muito bem o que o filme diz". Com isso, ganhei o dia e também uma chave para entender melhor outros roteiros, tantos quantos focalizem histórias de sucesso.
BAARIA – A PORTA DO VENTO
Baaría estréia 17 09 2010
Itália/França - 2009 – 150 min. - 14 anos
Gênero: drama / história / política / fantasia
Distribuição Paris Filmes
Direção Giuseppe Tornatore
Com Francesco Scianna, Margareth Made, Raoul Bova e Giorgio Faletti
COTAÇÃO
* * * *
Ó T I M O

3 comentários:

pseudo-autor disse...

Se eu já estava afim de ver, agora então depois de ler sua crítica... Adoro o diretor!

Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com

Matheus de Arruda Jesus disse...

Parabéns pelo texto Luciano.
Também escrevi um texto sobre esse filme no meu blog, se puderem pessoal acessem, o link é: http://leituradecinema.blogspot.com/. Se possível, sigam. Obrigado. Abraços à todos.

Renatodias disse...

Filme fantástico, ainda não intendi bem o vendedor de dólares e canetas no filme