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domingo, 20 de junho de 2010

“A Jovem Rainha Vitória”: um processo político com precisão de documentário

Numa passagem central de “A Jovem Rainha Vitória” um longo travelling mostra Emily Blunt no papel de Vitória, entrando no recinto do Conselho para a sua primeira aparição como rainha. A câmera a segue, filmando a sala por cima do ombro da monarca e caminhando em direção a um imenso espelho no fundo da sala. Quando ela para, de costas para o espelho, a câmara passa na frente dele e, mesmo assim, não a vemos. A cena pode ser vista como referência à célebre tomada em que Richard Leacock filmou John Kennedy subindo a um palco em “Primárias” (1960) – um dos documentários seminais do cinema direto. É como se o diretor Jean-Marc Vallée nos dissesse: “estamos fazendo um filme de ficção, mas a proposta aqui é apenas reproduzir o fato histórico, sem tentar qualquer interpretação sobre ele”. De fato, o parentesco cinematográfico mais íntimo de “A Jovem Rainha Vitória” é com “A Tomada do Poder por Luis XIV”, filme que Roberto Rosselini fez em 1966 e que só agora é lançado em sua versão original no Brasil (em DVD pela Versátil). A TV Cultura mostrou várias vezes uma cópia em branco e preto, por que o título foi produzido para a televisão italiana, numa época em que nem todas as emissoras transmitiam a cores. Além isso, os aparelhos coloridos de TV eram naquele tempo um luxo que só a elite podia pagar. Ao lado de “A Batalha de Culloden” (1964) do inglês Peter Watkins, “A Tomada do Poder por Luis XIV” de Rosselini foi obra fundadora do “docudrama” – uma palavra cunhada pelo próprio Watkins.
Esta expressão vem recebendo diversas definições (incluindo a dele mesmo), mas procuro entendê-la como referente àquele tipo de drama que se constrói tão somente de fatos documentados. Ou seja, isento, ou pelo menos econômico, em matéria de elementos ficcionais desenvolvidos em torno de personagens (do filme e também da chamada “vida real”). Principalmente quando ocupem posição de protagonismo nos acontecimentos históricos incluídos no enredo. E em especial nos aspectos essenciais para a estrutura da sua caracterização. Assim, por exemplo, é possível inventar a maneira como aquela rainha da Inglaterra dançava a valsa, mas não o seu compositor favorito ou o seu partido predileto – dados, aliás, bastante precisos em sua biografia. Mas pode-se imaginar o colorido de seus vestidos, até porque em meados do século XIX a fotografia ainda não possuía cores.
A propósito, Andy Powell ganhou o seu 3º Oscar de Melhor Figurino com este trabalho. Os outros foram “O Aviador” e “Shakespeare Apaixonado”. O profissional de maior responsabilidade dentro da equipe, entretanto, foi o roteirista Julian Fellowes − premiado com o Oscar pelo texto de “Gosford Park (2001) dirigido por Robert Altman. Com todo o ascetismo ficcional que o gênero docudrama solicita, ele elabora uma trama de conflitos que se restringem praticamente por inteiro à esfera política. Com isso, os personagens de primeira grandeza no palco da história, como foram a Rainha Vitória e seu marido, não se revelam aqui em termos de conflitos internos. Deles nada sabemos quanto a possíveis dúvidas, frustrações, temores ou angústias. Das intenções, só se explicita a de conquistar e manter-se no exercício do poder, junto com tudo ao que a este objetivo se ache conectado. É caso, por exemplo, das bandeiras políticas de proteção às artes e de amparo aos mais humildes. E, na verdade, do próprio “romance” que une os dois jovens monarcas: um relacionamento de amor em que os namorados só se conversam por meio de cartas antes de se casarem.
É preciso reconhecer a dificuldade de redigir uma trama minimamente interessante com toda essa limitação e, ainda por cima, tornar plausível a possibilidade (somente insinuada) de que a herdeira do trono britânico se achasse realmente apaixonada pelo príncipe Albert quando o escolheu como noivo. Ainda mais quando, entre os produtores constam os nomes de Martin Scorcese e de Sarah Ferguson, produtora de cinema que foi casada com o príncipe Andrew e, portanto, nora da Rainha Elizabeth, descendente de Vitória. Mas o filme brilha em sua suave nobreza, não só pelo figurino, mas pela direção de arte como um todo, e pelo trabalho dos atores como Jim Broadbent, no papel do rei Guilherme IV e Miranda Richardson como a Duquesa de Kent. Justiça seja feita também à direção de Jean-Marc Vallée, por ter fabricado imagens de impacto, como a sequência do jantar no castelo de Windsor.
A JOVEM RAINHA VITÓRIA
The Young Victoria
Reino Unido/ EUA – 2009 – 105 min. - 10 anos
estréia 18 06 2010
Gênero Docudrama / História / Política
Distribuição: Europa Filmes
Direção Jean-Marc Vallée
Com Emily Blunt, Miranda Richardson,
Jim Broadbent, Rupert Friend e Paul Bettany
C O T A Ç Ã O
* * *
B O M

2 comentários:

Valéria disse...

Olá, Luciano, sempre leio seus preciosos textos.
Assisti ao filme (e no mesmo dia, corri para assistir ao "Mrs.Brown", que mostra a mesma rainha Vitória após a morte de seu amado Albert) e gostei bastante, mas com ressalvas.
Me diga, aquela cena em que a rainha vem deslizando para a primeira valsa com o príncipe Albert é ridícula ou não é? Totalmente aleatória e desnecessária. Odiei esta cena, acho que ela enfraquece o filme e vamos dizer, a Emily Blunt não é lá essas coisas.
Um grande abraço e obrigada pelos seus textos.

Blog do Beto Lemela disse...

Obrigado pela excelente critica feita ao filme. Vou acompanhar as suas postagens com muito interesse, porque percebi que temos gosto parecido, pois concordei com TODOS os textos que você escreveu. Parabéns e continue com a sua fabulosa contribuição aos amantes do cinema. Abraços, BETO LEMELA