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sábado, 28 de novembro de 2009

Ainda a propósito de "Baaría", o épico atualíssimo de Tornatore

Antes que a memória sensível de "Baaría" se esvaneça, registro alguns momentos que provocam reflexão. Primeiro a gigantesca elipse em que o protagonista, quando menino, fica de castigo na sala de aula e pega no sono para despertar mais de meio século depois. Caminha atônito pela Bagheria moderna e se pergunta se estava no passado sonhando com o presente, ou vice-versa. Mais que salientar o descompasso entre as épocas, essa operação de montagem nos diz que, mesmo com a inexorável passagem das décadas, o personagem se mantinha ingênuo e cristalino do mesmo jeito que era quando criança. A cena do vendedor de linguiça oferecendo a sua mercadoria enquanto caminhava atrás do líder fascista local é igualmente memorável. A dois passos do "camisa negra" que marcha pela rua principal sob os olhares de todos, o comerciante ergue o produto, gritando: "é puro porco!" Assim, faz marketing para os partidários de Mussolini, ao mesmo tempo que os ridiculariza, para os adversários.
Seguindo a antiga lição de Sergei Eisenstein, por meio da justaposição de representações diversas Tornatore cria imagens de caráter de alta densidade simbólica e carga emotiva. Vejamos, por exemplo, como ele nos diz que o povo siciliano é marcado pela obrigação e pela capacidade de esperar. Numa sequência o pai do protagonista permanece vivo, mesmo contra a expectativa dos médicos, enquanto o filho não chega para se despedir dele. E mais adiante, enquanto ocorre uma passeata de protesto no centro da cidade, a câmara mostra duas mulheres em frente às suas casas. Uma ao lado da outra, esperam tensas e em silêcio por seus maridos: um é da polícia e ou outro é militante comunista. Um deles, ou dos dois voltarão machucados, ou nem voltarão.
A majestosa música sinfônica de Ennio Moricone se articula organicamente às dimensões épicas do filme, em que os planos mais abertos correspondem aos acordes mais intensos e conclusivos das sequencias. De resto, a própria musicalidade da fala siciliana se encarrega de colorir de ritmos e melodias a trilha sonora. Como ilustração, note-se o pregão do comprador de dólares, pontuando a narrativa com seu grito, nos momentos mais inadequados. E a cena em que o orador comunista vai declamando o seu discurso ensaiado e, cada parada permitida pelas palmas, pede "água!" Feita com o rosto sempre voltado para o microfone, essa solicitação é também amplificada para o público. De modo que, quando ele repete o pedido pela terceira vez, é a platéia em coro que grita "água!" Pode parecer apenas uma piadinha que empregou milhares de figurantes para ser mostrada, mas a gag exprime com perfeição e ênfase o senso crítico a sensibilidade de todo um povo.

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