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sábado, 28 de novembro de 2009

Ainda a propósito de "Baaría", o épico atualíssimo de Tornatore

Antes que a memória sensível de "Baaría" se esvaneça, registro alguns momentos que provocam reflexão. Primeiro a gigantesca elipse em que o protagonista, quando menino, fica de castigo na sala de aula e pega no sono para despertar mais de meio século depois. Caminha atônito pela Bagheria moderna e se pergunta se estava no passado sonhando com o presente, ou vice-versa. Mais que salientar o descompasso entre as épocas, essa operação de montagem nos diz que, mesmo com a inexorável passagem das décadas, o personagem se mantinha ingênuo e cristalino do mesmo jeito que era quando criança. A cena do vendedor de linguiça oferecendo a sua mercadoria enquanto caminhava atrás do líder fascista local é igualmente memorável. A dois passos do "camisa negra" que marcha pela rua principal sob os olhares de todos, o comerciante ergue o produto, gritando: "é puro porco!" Assim, faz marketing para os partidários de Mussolini, ao mesmo tempo que os ridiculariza, para os adversários.
Seguindo a antiga lição de Sergei Eisenstein, por meio da justaposição de representações diversas Tornatore cria imagens de caráter de alta densidade simbólica e carga emotiva. Vejamos, por exemplo, como ele nos diz que o povo siciliano é marcado pela obrigação e pela capacidade de esperar. Numa sequência o pai do protagonista permanece vivo, mesmo contra a expectativa dos médicos, enquanto o filho não chega para se despedir dele. E mais adiante, enquanto ocorre uma passeata de protesto no centro da cidade, a câmara mostra duas mulheres em frente às suas casas. Uma ao lado da outra, esperam tensas e em silêcio por seus maridos: um é da polícia e ou outro é militante comunista. Um deles, ou dos dois voltarão machucados, ou nem voltarão.
A majestosa música sinfônica de Ennio Moricone se articula organicamente às dimensões épicas do filme, em que os planos mais abertos correspondem aos acordes mais intensos e conclusivos das sequencias. De resto, a própria musicalidade da fala siciliana se encarrega de colorir de ritmos e melodias a trilha sonora. Como ilustração, note-se o pregão do comprador de dólares, pontuando a narrativa com seu grito, nos momentos mais inadequados. E a cena em que o orador comunista vai declamando o seu discurso ensaiado e, cada parada permitida pelas palmas, pede "água!" Feita com o rosto sempre voltado para o microfone, essa solicitação é também amplificada para o público. De modo que, quando ele repete o pedido pela terceira vez, é a platéia em coro que grita "água!" Pode parecer apenas uma piadinha que empregou milhares de figurantes para ser mostrada, mas a gag exprime com perfeição e ênfase o senso crítico a sensibilidade de todo um povo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Por 7 anos, Luciana Burlamaqui filmou o documentário “Entre a Luz e a Sombra”

Com o documentário “Entre a Luz e a Sombra”, a repórter paulista Luciana Burlamaqui pretende contar uma história que se manifesta ao longo de sete anos, acompanhando uma experiência de recuperação de criminosos presos no antigo Carandirú, por meio da atividade musical. Formada pela PUC-SP e iniciada em televisão por Luis Filipe Goulart de Andrade, neste projeto ela radicaliza a postura de acompanhar os personagens centrais em sua intimidade, para que a câmara possa captar os chamados “momentos de crise”. Exatamente como fez Robert Drew em “Primárias”, um dos filmes pioneiros do cinema direto. Num plano-sequencia clássico daquele documentário feito em 1960, o cinegrafista vai seguindo John Kennedy, até que ele chegue a um palco e a câmara mostre a platéia aplaudindo, como num plano-subjetivo do candidato à presidência. Luciana praticamente reproduz aqui aquela célebre tomada, focalizando uma dupla de presidiários cantores de Rap (abaixo) e, de fato, ao longo do filme captura passagens de contundente autenticidade, ainda que misturadas a encenações e entrevistas das mais prosaicas. Brigas pra valer entre os protagonistas convivem com discursos ensaiados para justificar o crime como efeito unívoco da pobreza e até enunciar aspectos supostamente ideológicos da criminalidade. Se a diretora evitasse se afastar da trilha do cinema direto, na qual caminha tão bem, talvez tivesse chegado a um resultado mais consistente e a um filme menos longo. “Entre a Luz e a Sombra” tem duas horas e ½ de duração e alguma gordura narrativa, que ficaria melhor fora do filme.
Entre a Luz e a Sombra
Brasil 2009 – 150 min
estreia 27/11/2009
Gênero documentário
Distribuição Vídeo Filmes
Direção Luciana Burlamaqui

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

“Cidadão Boilesen” informa, ilustra, discute, denuncia, peca por excesso...

Entra em cartaz o documentário “Cidadão Boilesen”, premiado no último Festival É Tudo Verdade de documentários. O tema é a vida e a morte em 1971 de Henning Albert Boilesen, o dinamarquês naturalizado brasileiro (nas fotos acima e abaixo) e presidente da Ultragaz que, durante a ditadura militar, recolhia contribuições dos empresários para financiar a Operação Bandeirante e gostava de assistir as sessões de tortura. Dirigido por Chaim Litewski, o brasileiro que atualmente chefia o departamento de televisão da ONU, o filme reúne um volumoso material de arquivo e dezenas de depoimentos de gente que acompanhou aqueles acontecimentos. Destaca-se a declaração de um militante que participou da execução do personagem. Os representantes do outro lado, antigos agentes da repressão, repetem os discursos de sempre. Mas, por algum motivo misterioso, a voz do próprio Boilensen jamais se escuta durante o filme.
Ocorre que este documentário se perde na busca de um estilo, que apenas insinua nas primeiras seqüências, na trilha sonora e no tratamento de algumas imagens em que se procura animar fotografias. Há uma tentativa de fazer humor, ou brincadeira, com a música e determinadas entrevistas, talvez para obter um interesse maior por parte do público. Outro problema é o eventual descuido na identificação dos entrevistados que, por se sucederem em grande quantidade, provocam certa confusão na narrativa. Num artigo, o mestre Eduardo Escorel considera o depoimento de uma funcionária da escola em que Boilesen estudava na Dinamarca como uma “tentativa simplória de decifrar a sua personalidade”.
Cidadão Boilesen
Brasil (2009) – 92 minutos
Documentário / levantamento histórico
Distribuição Imovision
estreia 27/11/2009
Direção Chaim Litewski
Com Fernando Henrique Cardoso, Celso Amorim,
Dom Paulo Evaristo Arns, Erasmo Dias,
Paulo Egydio Martins, Carlos Eugênio da Paz etc

Tornatore hoje em São Paulo para primeira exibição brasileira de "Baaría"

Hoje (26/11/2009) os alunos e os professores da FAAP tiveram o privilégio de assistir à primeira exibição de "Baarìa", a última obra de Giuseppe Tornatore (acima, com a atriz Margareth Made). Ele concorre ao Oscar com este trabalho monumental, em termos de produção e escopo narrativo, porque aborda a história de um camponês da Sicilia, desde o início do regime fascista até os anos 70. A trajetória do protagonista Peppino Torrenuova (Francesco Scianna), provavelmente inspirado em seu próprio pai, serve de fio condutor para uma série de episódios em que o autor de "Cinema Paradiso" revela a sua visão acerca daquele período e de sua cidade natal: a siciliana Bagheria. Um pouco como Felini em em "Amarcord", o cineasta deixa que a memória seja contaminada pela fantasia e pelo impulso poético, com resultados magnificados pela música de Ennio Morricone.
O personagem central é um camponês "de dentes fortes e cérebro nem tanto". Especialmente belo e saudável, ele desenvolve força de vontade e firmeza ideológica, mas não demonstra queda para os estudos e permanece um semi-analfabeto. Faz uma carreira impecável dentro do Partido Comunista, sem qualquer revisionismo ou tramóia e também (ou por isso mesmo) sem nenhuma vitória eleitoral. Com uma única esposa, criou 5 filhos, sendo um deles tão apaixonado por cinema que colecionava fotogramas, como se fossem figurinhas.
Após o filme, o diretor e a protagonista Maragareth Made participaram de um debate com o público presente. A uma pergunta sobre o seu papel no "atual renascimento do cinema italiano" respondeu que o cinema de seu país jamais esteve morto. Ao contrário, tem demonstrado indiscutível vitalidade e capacidade criativa ao resistir às crescentes dificuldades econômicas, políticas e administrativas enfrentadas nas três últimas décadas. Afirmou que o principal entrave da situação presente é o fato dos avanços tecnológicos terem favorecido a pirataria. Lembrou que "aqui, como na Itália, qualquer criança pode baixar um filme inteiro pela internet antes mesmo de seu lançamento nos cinemas. E isso mostra-se ainda mais perverso agora, que as bilheterias das salas de exibição tornaram-se apenas uma parte marginal das receitas que cada produção deveria obter".
Tornatore surprendeu a todos com um dado estarrecedor sobre um levantamento financeiro realizado recentemente na Europa: em média, para cada título lançado, o negócio da pirataria arrecada praticamente a mesma quantia do que o conjunto de todas as atividades econômicas legais envolvidas em cada lançamento -- da pré produção à pós produção, passando pela divulgação, distribuição, os anúncios e até a pipoca vendida na ante-sala dos cinemas.

"Em resultado dos baixos rendimentos de cada estréia, diminuem os investimentos e todos os produtores procuram gastar cada vez menos em cada empreendimento. Fazem-se filmes com orçamentos sempre menores. Com poucos atores, portanto menos personagens e histórias de menor alcance, locações mais baratas, cenários mais pobres e equipes menos numerosas e menos qualificadas. Esse caminho de retração não pode ser bom para o cinema e, por isso, não pode continuar."
Para ele as ações voltadas para a co-produção refletem um movimento positivo no sentido de reagir à crise de receitas. "Nunca tinha ouvido falar tanto quanto agora a respeito de propostas de co-produção com o Brasil", diz ele tentando elevar o ânimo da platéia.
"Tenho esperança de que, assim como a pirataria surgiu por meio da tecnologia, o próprio saber tecnológico nos ofereça a solução para esse problema."
Fiz uma pergunta a Tornatore, tentando decifrar um símbolo visual que aparece na última cena do filme: um menino tem o seu pião quebrado ao meio numa disputa, mas, de seu interior surge uma feliz surpresa. Felizmente para minha auto-estima, ele respondeu favoravelmente à minha análise: "A sua interpretação está correta. O filme de fato se concentra numa história de paixão e entrega à vida que parece ser a de um perdedor. Apenas parece, porque o protagonista é na realidade alguém que fracassa no aspecto público de sua trajetória, mas triunfa plenamente em termos pessoais. Você leu muito bem o que o filme diz". Com isso, ganhei o dia e também uma chave para entender melhor outros roteiros, tantos quantos focalizem histórias de sucesso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

“A Garota do Parque” é exemplo de filme injustamente lançado apenas em DVD

Lançado em DVD, “A Garota do Parque” um filme de 2007 que, apesar da sua qualidade muito acima da média, não foi exibido no circuito comercial brasileiro. Trata-se de uma produção independente, primeiro filme dirigido pelo competente dramaturgo David Auburn. Em 2001, com apenas 31 anos, simplesmente ganhou os prêmios Pullitzer e Tony pela peça teatral “A Prova” − adaptada para o cinema por John Madden, com Anthony Hopkins e Gwyneth Paltrow, aliás, um dos mais importantes filmes de 2005, incluído no meu livro OS MELHORES FILMES NOVOS. Depois disso, já com as portas abertas em Hollywood, em 2006 ele escreveu o roteiro de “A Casa do Lago”, um remake do melodrama fantástico sul-coreano “Il Mare” (“Siworae”) de 2000.
Agora dirigindo o próprio roteiro, ele finalmente alcança o patamar de autor de cinema com este drama a um só tempo simples e de indiscutível intensidade dramática. A sinopse da trama poderia valer para um dramalhão televiso, mas o texto de Auburn faz o oposto e jamais se perde no lugar comum. Numa das suas mais convincentes atuações, Sigourney Weaver faz o papel de uma mulher cuja filha de três anos foi raptada e jamais encontrada. Quinze anos depois, já com o casamento destruído e afastado do marido, ela volta a viver na cidade onde morava e tem dificuldade em se relacionar com o filho prestes a se casar. E aí conhece por acaso uma prostituta com a idade que filha teria se estivesse viva. Ao saber que ela a moça é órfã desde os três anos, passa a tratá-la de maneira maternal, o que é interpretado de modo distorcido por ela e pelo filho. O jogo de mal entendidos e ciladas dramáticas vai se desenvolvendo até culminar com uma inesperada catarse. É uma aula magna de roteiro cinematográfico: concebido com profundidade, doçura e elegância.

A Garota do Parque
The Girl in the Park
USA 2008 - 109 min
lançamento em DVD
Distribuição California Filmes
Direção David Auborn
Com Sigourney Weaver,
Kate Bosworth, Elias Koteas

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Novidade: em "Polícia, Adjetivo”, Corneliu Porumboiu inventa o "plano-permanência"!

"Polícia, Adjetivo” de Corneliu Porumboiu, o mesmo autor de “A Leste de Bucareste”, é uma produção romena premiada em Cannes 2009, na mostra Un Certain Regard (Um Certo Olhar). De fato, o filme lança uma olhadela muito peculiar sobre a polícia naquele país. Não fala de violência ou brutalidade, mas faz uma crítica amena à falta de recursos e à excessiva burocratização, aliás, muito parecida com o funcionalismo público brasileiro. E se concentra numa surpreendente postura de compaixão por parte do agente protagonista da história, além de uma detalhada explanação sobre o significado etimológico e social da atividade policial, por parte de um comandante. Aliás, em vez de falar de crimes, outro chefe prefere conversar sobre patrimônio histórico e turismo cultural com seu comandado: mostra-se indignado pelo fato de Praga, e não Bucareste, ser considerada a "pequena Paris". Por trás desse discurso, um crítico poderia apontar o verdadeiro grito do filme: "Ei! Nós também somos europeus!" Afinal, desde 2007 o país faz parte da União Européia. Mas o fato central é proposto por um agente que se recusa a prender um adolescente fumante de haxixe, por saber que a lei a respeito está prestes a mudar. O alicerce do filme, porém, não se acha no conteúdo e sim na forma adotada.
Como a idéia é fugir do convencional, a encenação evita contraplanos e até closes ou planos aproximados. Tanto que nem dá para perceber direito como é o rosto do personagem central, quase sempre mostrado a uma certa distância. No filme, ele passa a maior parte do tempo vigiando um suspeito, meio de longe. De modo semelhante, nós também somos obrigados a espiá-lo longamente, com um respeitoso afastamento capaz de nos levar a perder a esperança de que, nessa interminável vigilância, algo dramático aconteça. Em três penosas ocasiões (como na cena da imagem abaixo) somos constrangidos a esperar inutilmente por algo que não se imagina o que seja. E com a câmara imóvel cravada no personagem, como se o diretor nos dissesse que, em lugar do plano-sequencia, ele está inroduzindo a idéia de “plano –permanência”.
POLÍCIA, ADJETIVO
Police, Adjetive
Romênia - 2009 – 115 min.
estréia 20/11/2009
Gênero drama / policial
Distribuição Imovision
Direção Corneliu Porumboiu
Com Dragos Bucur, Vlad Ivanov e Irina Saulescu

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Os Substitutos" trabalha com um tema essencial no imaginário da ficção científica

O tema do substituto aparece em Alexandre Dumas, com “O Máscara de Ferro” (1847) − o herdeiro trocado por um usurpador. Antes disso, Pöe colocava a idéia num plano metafísico no conto "William Wilson" (1839), talvez um desdobranento do doppelgänger narrado por Shelley em 1822. Em “O Principe e o Mendigo” (1882), Mark Twain recicla a mesma idéia. No cinema, Carlitos se coloca no lugar de uma paródia de Hitler em “O Grande Ditador” (1940) e, agora no Brasil, Daniel Filho alcança o mais amplo sucesso explorando o tema sobrenatural do intercâmbio de corpos entre marido e esposa. Num registro digamos, materialista, Kurosawa leva o assunto para a esfera da ação política em "Kagemusha" (1980- ACIMA), em que um sósia, "o duplo" do samurai toma o seu lugar nas batalhas.
Mas é na ficção científica que o esquema do surrogate tem uma ressonância mais próxima ao cerne do gênero, que consistiria em ficcionar em torno da viabilidade técnica de produção consciente e intencional de clones para os indivíduos. Isaac Asimov já fala de uma sociedade em que não existiriam mais contatos físicos ou imediatos: para se relacionar com os outros, as pessoas dispensam a presença física e se limitam a transmitir uma imagem de si. No recente filme “Gamer” (2009 - ACIMA) de Neveldine e Taylor, alguns humanos recebem um implante, para que outras pessoas neles conectadas fiquem à distância experimentando tudo o que de fato vivem, com relativa autonomia. Mais ou menos o que um jogador de videogame faz com os personagens que tenta manipular.
No filme “Os Substitutos”, em cartaz na cidade, baseado numa HQ de Robert Venditti e Brett Weldele, o mundo de 2017 é habitado por robôs (ACIMA) construídos à imagem e semelhança de operadores (ABAIXO) que permanecem em casa, olhando o que eles vêm e fazendo tudo o que eles deveriam ou gostariam de praticar. É, portanto, um discurso sobre a idealização de uma vida por intermédio. Um relato que toca em temas atuais como as questões da identidade e da responsabilidade. É claro que a diferença entre o personagem de Bruce Willis e seu clone vai muito além de um ter cabelo e outro não. Um filme interessante, porque mostra a exploração capitalista dos clones e, ao mesmo tempo, as comunidades rebeldes que não aceitam o seu uso, considerando-o uma espécie de dependência desumanisadora, semelhante ao que as drogas podem causar. Com o detalhe de que esses grupos marginais são manipulados por empresários dissidentes da empresa que "monopoliza" o comércio de substitutos. Tudo permanece equilibrado até que entra em cena o típico herói do gênero: um homem amargo e solitário que geralmente trabalha para o sistema e que, por um motivo afetivo e pessoal resolve virar a mesa, aproveitando a sua proximidade do núcleo que detem o poder.
OS SUBSTITUTOS
Surrogates
gênero fantasia / ficção científica / ação
EUA - 2009 - 88 min
estreia 23/10/2009
distribuição Buena Vista
Direção Jonathan Mostow
Com Bruce Willis e Radha Mitchell

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Lula, Padre Cícero e Joãosinho Trinta no tardio renascimento do docudrama

Agora que Luis Carlos Barreto vai desinteressadamente lançar a cinebiografia de Lula no Festival de Brasília, o cinema brasileiro começa a gestar mais dois projetos de obras do gênero docudrama, que é aquele híbrido de ficção com documentário. Uma modalidade de filme que foi de grande prestígio no tempo de "Independência ou Morte" e que estava quase caindo em desgraça até ser apresentado no tapete vermelho, em plena corte brasiliense, como fazia Molière em Versalhes, para Luis XIV. Num desses novos exemplares de pura verdade histórica, Matheus Nachtergaele ("Tapete Vermelho") vai personificar o carnavalesco Joãosinho Trinta (ABAIXO COM MATHEUS). O ator diz que aceitou porque o maranhense representa “a alegria do brasileiro e é símbolo de inventividade”. O diretor será Paulo Machline, que já tinha realizado um documentário, só com o material de pesquisa a respeito do carnavalesco.
E o Sérgio Machado, diretor de “Cidade Baixa” vai filmar a história de Cícero Romão Batista, o Padre Cícero, que morreu aos 90 anos em 1934. O filme se baseia no prestigiado livro “Poder, Fé e Guerra no Sertão”, de Lira Neto, que acaba de ser lançado. No título, a palavra poder vem antes da palavra fé, porque o fato religioso mais marcante na história do "padinho" ocorreu em 1889: enquanto rezava uma missa, a hóstia se transformou em sangue na boca da beata Maria de Araújo. Mais importantes que rezas e milagres foram as incursões do Padre Cícero na política. Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, conservador e aliado de Lampião e das oligarquias do Nordeste. Como Jofre Soares já se foi, ainda não há ator para o papel. Eu voto em Zé Dumont ou, no segundo turno, em Gero Camilo.

Mas seu fosse produtor de cinema faria um docudrama sobre Anselmo Duarte, o diretor de "O Pagador de Promessas", recentemente falecido, aos 89 anos de idade. Foi o único cineasta do Brasil que ganhou a Palma de Ouro em Cannes. Como o maior e mais requisitado galã brasileiro de século, desfrutou uma vida absolutamente fantástica. Marginalizado pelos críticos e cineastas de seu tempo, teve um destino parecido com o de Orson Welles, para quem o sucesso tomou a forma de maldição. Aliás, no ano que vem, o diretor americano John McTiernan (“Duro de matar”) vai filmar no Brasil “The assassination of Orson Welles”, ambientado nos anos 40, quando Welles passou uma longa temporada no país tentando filmar “É tudo verdade”, nunca concluído. McTiernan afirma que Welles foi vítima de uma campanha de difamação orquestrada pela imprensa americana, naquele período em que estava ausente: dizia-se que o autor de "Cidadão Kane" estava fugindo do "esforço de guerra".
Em tempo: leia-se a excelente crônica do Ignácio Loyola publicada no Estadão de 20/11/09. Ela me deu vontade de propor mesmo essa idéia para um produtor...

O mundo acaba em "2012", de Roland Emmerich e no DVD "Eu sou a Lenda"

Roland Emmerich é o atual campeão do gênero filme-catástrofe. Ele que já tinha destruído o planeta em “O Dia Depois de Amanhã”, agora vai mais fundo com “2012”. A história é de fato apavorante porque, além do tratamento realista da destruição geral, baseia o argumento em várias profecias, inclusive dos antigos maias, que apontam aquela data como o prazo final para a humanidade. Esse realismo é, na verdade, um show de computação gráfica, mas a dramaturgia critica a organização política mundial. Diante da impossibilidade de salvar a população inteira, todos os governos do mundo decidem silenciar a respeito e construir imensas arcas para a salvação de um pequeno grupo de eleitos. Tudo muito triste... Como sempre as coisas são contadas do ponto de vista de um sobrevivente que deveria ganhar (se houvesse) o prêmio Darwin de ultra-seleção natural. Numa entrevista, o diretor diz que não queria filmar a hecatombe universal, mas atualizar o mito da Arca de Noé.
Pra quem está interessado nesse tema do apocalipse sugerimos DVD "Eu Sou a Lenda", baseado em livro de Richard Matheson. Em 1964 eu assisti à primeira versão para o cinema dessa história, protagonizada por Vincent Price. Perdi o sono e ainda lembro o impacto daquela imagem de um homem vivendo sozinho num mundo em que quase todos se tornaram vampiros. Desta vez Will Smith é o cientista dedicado a pesquisar a cura contra um vírus que transformou em vampiros a maior parte da humanidade. O filme é também uma homenagem a Bob Marley, cujo título de seu último álbum era "Lenda". E também à democracia racial: o herói é negro e a heroína, vivida por Alice Braga, veio do Brasil – país que ainda desfruta da fama de ser imune ao racismo. É bem mais divertido que o mega é sádico empreendimento de Emmerich.

A série completa do célebre "Décalogo" de Kieslowski é lançada em DVD no Brasil

Para os amantes do cinema de alta qualidade, vai aí a nossa primeira sugestão para presente de Natal. Trata de uma caixa com 4 DVDs que acaba de ser lançada com “Decálogo” a preciosa obra do polonês Krzystof Kieslowski feita para a TV polonesa em 1988 e que foi premiada pela crítica no Festival de Veneza e na Mostra de SP. É um conjunto de episódios tendo como base os 10 mandamentos e todos ambientados num mesmo condomínio em Varsóvia, abordando geralmente conflitos morais e drama familiares. Na foto acima, cena do oitavo episódio: "não prestar falso testemunho". Abaixo a capa do DVD em sua edição polonesa. Os extras da coleção preparados pela Versátil na versão brasileira são uma atração à parte, incluindo um documentário de longa metragem chamado “Ainda Vivo” sobre o cineasta que faleceu em 1996 com apenas 54 anos de idade. A caixa vale como uma aula de cinema, tendo o criador polonês como tema.
Nessa obra, o diretor usa uma quantidade mínima de diálogos, concentrando-se no poder da imagem e das cores. Depois delas, os seus quatro últimos filmes foram realizados na França: "A dupla vida de Veronique" e a trilogia das Cores ("A liberdade é azul", "A Igualdade é Branca" e "A Fraternidade é Vermelha"). Essa trilogia das cores traze os filmes que deram mais sucesso comercial ao diretor. São baseados nas cores da bandeira e no lema da revolução francesa, com cruzamentos interessantes nos elementos comuns aos três filmes.Depois da última peça da trilogia, Kieslowski (na foto abaixo) começou a escrever o roteiro de uma nova trilogia: "Paraíso, Purgatório e Inferno", que não pode concluir. Em 2002, no entanto, o alemão Tom Twyker filmou o roteiro de "Paraíso", idealizado por ele.

Decálogo
Dekalog
Polônia 1988
série de TV
lancamento em DVD 13 /11/2009
direção Krzystof Kieslowski
Distribuição Versátil

Vale a pena rir e se emocionar com “A Procura de Eric”, uma rara comédia política

Quem acompanha os trabalhos do inglês Ken Loach, como “Mundo Livre” (2007), sabe que ele é um cineasta politizado e, em “A Procura de Eric”, agora exibido em São Paulo, continua assim. Ainda que não seja um drama histórico, mas uma comédia ambientada na Inglaterra atual, focalizando um carteiro de meia idade, cheio de problemas. Além de ter sido abandonado pela segunda esposa, ele cuida dos filhos dela: dois adolescentes que não estudam, não trabalham e se acham à beira da delinqüência. Ao reencontrar a 1ª primeira mulher, o grande amor da sua vida, ele entra em depressão, principalmente quando vai preso por causa dos enteados e seus amigos fora da lei. Para enfrentar as dificuldades, ele conta com o seu ídolo Eric Cantona -- atacante do Manchester.
Interpretando a si mesmo, o próprio jogador aparece nas alucinações do personagem, oferecendo alguma orientação, mais ou menos como um técnico de futebol faria com um atleta. E ele também recorre à solidariedade de seus companheiros de trabalho que prestam uma ajuda prática e decisiva. Nisso reside o lado social deste filme engraçado e encantador em sua simplicidade. Para a cultura britânica, o correio representa a instituição mais democrática do país. Em 1936, às vésperas da guerra, o governo produziu o documentário “Correio Noturno”, colocando os carteiros como heróis do serviço público e exemplos de cidadania, levando cartas para os ricos e para os pobres, entregando tanto contas para pagar, quanto cartas de amor.

À PROCURA DE ERIC
Looking for Eric
estreia 06/11/2009
Inglaterra / França / Itália Bélgica
2009 – 117 min.
Gênero Comédia / social / política
Distribuição Califórnia
Direção Ken Loach
Com Steve Evets, Eric Cantona,
Stephanie Bishop e Lucy-Jo Hudson

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

"Coco Chanel & Igor Stravinsky", um filme de muito estilo, sobre criadores de estilos

Quem se interessou por Coco Chanel na inerpretação de Audrey Tatoo vai ter uma agradável surpresa com o docudrama "Coco Chanel & Igor Stravinsky", que foi lançado na Mostra e deverá chegar aos cinemas. O filme focaliza apenas os dois anos, de 1920 a 1922, durante os quais Stravinsky e toda a sua família foram hóspedes de Chanel. O filme economiza falas, porque faz ficção nas brechas abertas entre os fatos documentados. A historiadora Edmonde Charles-Roux, numa notinha, informa que ela assumiu discretamente um romance entre os dois. Discreção, aliás, é a palavra, porque o filme pretende explorar a identidada estética entre os personagens, numa aventura realizada além da carne e da emoção. Mostra uma afinidade de estilos acima de um ancontro amoroso entre homem e mulher. Num diálogo, por exemplo, o roteiro de Jan Kounen insinua que eles talvez nem entendessem plenamente o trabalho um do outro. Igor chega a dizer a Coco: "você não é artista, é apenas uma fabricante de tecidos".
A ousadia do filme é mostrar duas linguagens que se relacionavam independentemente da mediação das pessoas. Falo do minimalismo, que marca tanto a etapa inicial de Chanel, quanto "A Sagração da Primavera" com seus ostinati. Curiosamente, como resultado do encontro, essa tendência seria arrefecida, durante o neo-classicismo de Stravinsky e a "fase russa" de Chanel. Mas isso está fora do filme. O que ele realiza é um poderoso docudrama, dando mais importância a esses postulados do que ao relato de uma história com começo meio e fim. Como num documentário de Robert Drew (Crisis - 1963) que trabalhava na linha do "cinema direto", Kounen procura reconstituir momentos de crise. É o que vemos na deslumbrante sequência inicial, em que ele reproduz a desastrosa estréia de "A Sagração da Primavera", em Paris - 1913, praticamente em tempo real.

Coco Chanel & Igor Stravinsky
França (2009) 118 minutos
Direção Jan Kounen
Baseado em livro de Chris Greenhalgh
inédito
Com Anna Mouglalis e Madds Mikelsen

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

DIÁLOGOS E INTERAÇÕES ENTRE CINEMA, MODA E LITERATURA - na livraria Cultura

COCO ANTES DE CHANEL
Cinema, literatura e moda sempre tiveram tudo a ver... ouvir e tocar. Um triângulo amoroso que vem se aquecendo com a recente diversificação das influências mútuas. Ora são os filmes determinando que tipo de roupa ou acessório as massas devem usar, ora são autores como Marcel Proust, Oscar Wilde e Machado de Assis tomando o universo da moda como fonte de inspiração. Mas esse caminho apresenta mão dupla e múltiplos atalhos: de um lado, estilistas criando figurinos para a tela e, de outro, filmes tendo designers de moda como protagonistas; romances elaborados pela observação de determinados estilos de viver e vestir; coleções criadas a partir de climas emocionais e imagens plásticas sugeridas por obras literárias. Todos os meandros desse percurso são desvendados em eventos da 6ª Semana de Moda da Livraria Cultura, que acontece entre 9 e 13 de novembro.
COCO CHANEL
No dia 09/11, às 12hs o desfile performático Moda e Literatura sai da Avenida Consolação e segue pela Paulista em direção à Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em sua entrada da Alameda Santos. Elaborado por alunos da graduação de Moda da FMU e coordenação da professora Romy Tutia, o desfile mostra uma série de 17 looks inspirados em obras literárias que foram adaptadas para o cinema.
No dia 11/11, às 16hs, o crítico e escritor Luciano Ramos, autor do livro Os Melhores Filmes Novos faz uma palestra ilustrada sobre Moda e Cinema
No dia 12/11 às 16 horas, a curadora do desfile performático, professora Jo Souza falará das ricas e plurais relações entre Moda e Literatura numa palestra.
Entrada gratuita e vagas limitadas. As palestras acontecem no Teatro Eva Herz - Livraria Cultura Cj. Nacional - Av. Paulista, 2073 - São Paulo/SP.
Serão distribuídas senhas 2 horas antes do início da palestra. Sujeito à lotação: 166 lugares
Jô SOUZA
Docente da graduação de moda da UNIFMU-SP. Mestranda em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Em 2009, organizou e concebeu a exposição fotográfica Modos da Moda na Reserva Cultural, os ciclos de palestras e debates Cinema e Moda na PUC/SP e Diálogos entre imagens de Moda na UNIFMU/SP.
LUCIANO RAMOS
Docente de pós-graduação em Jornalismo Cultural e Crítica de Cinema na FAAP- SP. Crítico de cinema da Rádio USP e da Revista Reserva Cultural. Mestrando em Multi Meios na UNICAMP-SP. Autor do livro Os Melhores Filmes Novos – 290 filmes analisados e comentados (Editora Contexto)
COCO CHANEL E IGOR STRAVINSKY

Nas imagens acima, vemos Audrey Tatoo, Shirley McLaine e Anna Mouglalis interpretando Coco Chanel em 3 filmes diferentes: um dos temas da palestra Moda e Cinema - dia 11/11/2009

“O Solista”, drama de Joe Wright é um dos mais importantes lançamentos do ano.

O filme se inicia com imagens de um jornal sendo impresso, tendo ao fundo a voz de um de seus redatores ao dar início a um relato. A câmara revela os nomes do jornal e de quem assina uma determinada matéria: Steve Lopez, do Los Angeles Times. Ficou claro, portanto, que essa narrativa acontece em primeira pessoa. E que, além disso, essa pessoa é um jornalista amplamente conhecido nos EUA. Com esse procedimento áudio-visual, o diretor esclarece que o roteiro se fundamenta em personagens reais, deixando de lado os irritantes letreiros que costumam ser usados para isso. É comum ver filmes menores que este recorrendo a esse expediente, porque existe a idéia de que as peças de ficção ganhem credibilidade com o respaldo da “vida real”. E, assim, se mostrem tão respeitáveis quanto os documentários − com a vantagem de serem interpretadas por atores profissionais, seguindo roteiros capazes de atribuir dramaticidade à exposição da história. Como se as posições ideológicas e as fantasias dos realizadores pudessem ser referendadas por aqueles acontecimentos situados aquém da imaginação. Em outras palavras, assim como os documentários fazem asserções sobre o mundo, nas entrelinhas de seus roteiros os diretores do gênero “docudrama” veiculam valores, conceitos e interpretações acerca de si e do contexto histórico em que se situam. Este se baseia numa série de artigos de Steve Lopez publicada em 2005 sobre um morador de rua que tinha sido aluno brilhante da Julliard e concertista de violoncelo.
Protagonizado por Robert Downey Jr, no papel de Steve Lopes, famoso jornalista californiano, e por Jamie Foxx, interpretando um morador de rua que fora concertista de violoncelo – objeto das suas crônicas no Los Angeles Times. É dirigido pelo inglês Joe Wright, que fez o excelente “Desejo e Reparação” e escrito por Susannah Grant que redigiu o também premiado “Uma Mulher de Talento”. Essa dupla não quis seguir a já desgastada tradição hollyoodiana que se estende desde os anos 30, desenvolvida como meio de compensar o desespero social trazido pela crise de 29, e que consistia em fazer filmes para renovar a confiança das pessoas no sistema capitalista.

Como alguém informado por aqueles filmes, a princípio o personagem do Steve Lopez tenta transformar o músico de rua numa figura típica de filme de Frank Capra: em sua fantasia, ele acabaria superando os limites por conta de seu talento e conquistando a redenção por meio de uma segunda chance. Mas isso não ocorre e os realizadores de “O Solista” conseguem produzir emoção, mesmo contando a história de um perdedor. A propósito, as cenas em que ele reconsitui a zona de consumo de drogas de LA, um lugar mais tétrico que a Cracolândia paulista, esfaqueia qualquer coração. Na verdade, o jornalista quase perde a capacidade de acreditar, não apenas no sistema, mas em si mesmo. Esse é o tema real do filme, de resto um luxuoso exercício de estilo, com destaque para o casamento entre música e imagens, como na cena em que a cidade de Los Angeles como que flutua ao som de Beethoven. A trilha do impecável de Dario Badalenti é a moldura sonora para imagens de dolorida beleza, como o momento em que, sentado diane de uma sinfônica, o ex-músico recebe o impacto do primeiro acorde de um concerto de Beethoven.
O SOLISTA
The Soloist
Direção de Joe Wright
Inglaterra / EUA / França - 2009 – 117 min.
Gênero: drama / história
Distribuição Paramount
estréia 06/11/2009
Com Robert Downey Jr, Jamie Foxx e Catherine Keene